quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Revista: Avanços da medicina auxiliam gestação



O que há 30 anos era uma espécie de loteria divina para pais e obstetras, a medicina fetal já se encarregou de desvendar -cerca de 98% das anomalias do bebê podem ser detectadas antes do nascimento. O arsenal à disposição das mães do terceiro milênio inclui exames de ultra-som tridimensional, rastreamento genético e modernas análises de amostras da placenta e do cordão umbilical, entre outros.

Além de dar novas esperanças a milhares de casais prejudicados por problemas de infertilidade, os avanços trazem tranquilidade à legião de mulheres urbanas que tentam conciliar a carreira profissional com o sonho de ser mãe. 

Há não muito tempo, ter filho, especialmente o primeiro, depois dos 35 anos era considerado um procedimento arriscado. Hoje, é cada vez mais comum -e seguro- adiar a maternidade em busca de estabilidade emocional e financeira.

Exames como a translucência nucal, que investiga a ocorrência de possíveis alterações cromossômicas, ajudam a reduzir as incertezas das mães mais maduras, sujeitas a uma maior incidência de problemas dessa natureza. 

No grupo das que optaram pela gravidez madura por razões profissionais, a professora de educação física Andrea Eliza Boscolo, 35, diz que só agora se sentiu preparada para ter um filho, apesar de viver com o pai do bebê há 19 anos. "Para ser mãe, é necessário abrir mão de muitas coisas, principalmente de tempo. Preferi esperar a hora certa", diz. 

Grávida de três meses, Andrea acredita que o fato de levar uma vida saudável diminui as possibilidades de seu bebê nascer com alguma anomalia. "Além disso, tenho a medicina atual ao meu favor e estou disposta a fazer qualquer exame que o ginecologista pedir. Quanto mais cedo se descubra qualquer problema, melhor."

"Eu demorei, mas não perdi a esperança em nenhum momento", declara a assistente social Miriam de Lourdes Galdini de Lazari, 38, que desde a adolescência sonhava ser mãe. Na primeira tentativa, aos 30, Miriam descobriu que seria difícil: tinha grandes miomas (tumor muscular) do lado de fora do útero e endometriose, uma inflamação na membrana mucosa que reveste o útero.

Miriam conta que durante os oito anos de tratamento -que incluíram controle hormonal, uma cirurgia para extirpar um mioma de 8 cm até a retirada de um ovário e da trompa- resistiu a todas as recomendações médicas para arrancar de vez o útero. "Eles achavam que a gravidez era impossível, mas eu não queria abrir mão do sonho de ser mãe", afirma. 

Conseguiu com a inseminação artificial. Ela ficou "superfeliz", mas os médicos, nem tanto. "Mesmo com o resultado obtido, eles não acreditavam que a gravidez fosse vingar, ainda mais com a minha idade", lembra. 
Além disso, uma surpresa logo no primeiro ultra-som: Miriam estava grávida de trigêmeos (sendo dois univitelinos). "Para mim, mesmo com todo o apoio da medicina moderna, ainda acredito que só pode ter sido uma forcinha de Deus."

Atualmente com seis meses e duas semanas de gravidez, a assistente social faz ultra-som a cada 15 dias e visita a médica semanalmente. Engordou 11 kg. "Eu acho superimportante fazer os exames. Eles me tranquilizam muito, já que minha gravidez é de alto risco. Além disso, já soube o sexo dos bebês (são três meninos), conheci a estrutura corpórea deles e até fiz o cálculo do peso." 

Mesmo assim, todo cuidado ainda é pouco. Miriam toma medicação para evitar o parto prematuro e diminuir as contrações e faz repouso absoluto. "Tive dois sustos grandes até agora, ambos hemorragias por causa dos miomas. O primeiro foi no quarto mês. Estava dormindo e acordei sangrando. Achei que fosse perder os bebês, mas fiz exames, que acusaram a causa real do problema. Agora, falta pouco tempo para o meu sonho virar realidade", conta. 

Menos angústia
Nos últimos dez anos, dizem os médicos, os avanços foram fantásticos, permitindo não só gestações antes consideradas impossíveis, como a de Miriam, mas ampliando as possibilidades do feto. Há exames capazes de detectar problemas já a partir do segundo mês de gestação. "Além de diminuir a angústia dos pais, a precocidade dos exames agiliza o tratamento", afirma Victor Bunduki, chefe do setor de medicina fetal do HC (Hospital das Clínicas). Não à toa, a taxa de mortalidade perinatal (natimortos mais recém-nascidos que morrem com até sete dias de vida) caiu 13% na última década na cidade de São Paulo.

Doenças que levariam o bebê à morte horas após o parto, como a obstrução das vias urinárias e da válvula cardíaca, podem ser tratadas ainda no útero. "Crianças com cardiopatias graves podem nascer rosadas e chorando alto, como bebês normais. Ninguém desconfiaria que são doentes", diz Lilian Lopes, ecocardiografista fetal do HC.

As operações fetais são realizadas com técnicas microinvasivas, já que qualquer lesão no útero pode dar início ao trabalho de parto. Para tratar o hipotiroidismo, um problema que afeta o desenvolvimento cerebral, por exemplo, o medicamento é injetado no líquido amniótico através da barriga da mãe.

Ainda que a cirurgia fetal seja contra-indicada na maioria dos casos, por apresentar altíssimo risco para mãe e filho, constatar qualquer deficiência antes do nascimento aumenta as chances de sobrevivência. "Conforme o resultado do diagnóstico pré-natal, a família pode decidir realizar o parto num local com recursos específicos, para que a criança seja operada imediatamente", afirma Lilian.

Mesmo o ultra-som, o mais popular dos exames pré-natais, evoluiu consideravelmente. Quando chegou ao Brasil, em meados dos anos 70, as imagens eram pouco nítidas, com 12 tonalidades diferentes de cinza. Hoje, aparelhos de alta resolução fornecem imagens digitais com mais de cem nuances. Para as mães, é mais fácil visualizar o filho e entender o que o médico está dizendo.

Não faltam também exames com um "lado mais lúdico", conforme a definição de Carlos Augusto Bittencourt, especialista no ultra-som tridimensional, aquele que praticamente permite "enxergar" o rosto da criança. "Há pais que vêem o bebê em posição desfavorável e começam a 'dialogar' com a imagem do ultra-som", conta Bittencourt. "Eles dizem 'vira para cá, meu filho, é o papai'. Acaba ajudando na interação familiar", acredita.

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